Sonho de
entrar para o mundo do balé acirra disputa por vaga em escola do Rio.
- 05/10/2015 06h05
- Rio de Janeiro
Cristina
Indio do Brasil - Repórter da Agência Brasil
Grandes nomes do balé deram
primeiros passos nas salas do Theatro MunicipalCristina Indio do Brasil/Repórter
da Agência Brasil
O gosto
pelo balé une meninos e meninas na Escola Estadual de Dança Maria Olenewa, do
Theatro Municipal do Rio de Janeiro, vinculado à Secretaria de Estado de
Cultura. Esse gosto junta também meninos e meninas de diferentes faixas de
renda. Enquanto alguns já fizeram aulas em escolas particulares, outros
frequentaram projetos em comunidades e tem ainda os que nunca estudaram balé.
Conseguir uma vaga naquela que é considerada a
principal escola de dança do Rio, fundada em 1927, transforma-se em uma disputa
acirrada. A procura é grande e é preciso passar por uma seleção rígida para
verificar o potencial da criança ou do adolescente para a dança. E é justamente
essa capacidade que faz alguns levarem vantagem na escolha.
Sinthia Liz, que mora no centro do Rio, entrou para a escola com 8 anos e nunca
tinha passado por uma aula de dança. “A minha história é engraçada. Eu andava
meio corcunda quando tinha 5 anos, minha mãe ficou preocupada e me levou ao
médico, que disse que seria bom me botar no balé para corrigir a postura."
Hoje, com 17 anos, Sinthia afirma que não pode pensar na vida sem o balé. A
única fase em que precisou ficar afastada das aulas foi quando teve uma lesão e
não pôde dançar por cinco meses. "Foi um sofrimento, mas agora estou bem”,
diz, aliviada.
No próximo dia 13, a bailarina embarca para a
Alemanha para estudar balé na Fundação Heinz Bosl, da Universidade de Artes de
Munique. Sinthia fará parte da Junior Company e poderá dançar com a companhia
principal. “Até agora, é difícil acreditar. A ficha só vai cair quando eu
estiver lá na sala de aula com outros professores, outros alunos, dividindo a
forma de trabalhar de modo diferente.”
O contrato, de um ano, pode ser renovado por mais
12 meses. A diretora da escola Maria Olenewa, Maria Luisa Noronha, foi quem
conseguiu a vaga para Sinthia. "Ela está felicíssima. Eu estou tão
contente que parece que sou eu. Fico pulando de felicidade, porque consegui
colocar esta menina numa companhia muito boa", conta, animada, Maria
Luisa.
Morador da Rocinha, Luiz Fernando
quer estudar em Nova YorkCristina Indio do Brasil/Repórter da Agência Brasil
Morador do Complexo do Alemão, na zona norte do
Rio, Luiz Fernando Daniel Rego estuda na Maria Olenewa, mas já fazia um projeto
de dança na comunidade, quando foi incentivado a se inscrever na escola do
Theatro Municipal. No começo, diante da rigidez dos professores, pensou em
desistir. “Eu me sentia mal. Não me sentia acolhido por todos. Aí, comecei a
conversar com os professores e eles me deram apoio.”
Luiz Fernando chegou a ter algumas faltas, mas acabou chegando à conclusão de
que queria mesmo fazer balé, e não podia ser fora da Olenewa. “Se a escola não
me desse a técnica, eu não estaria aqui hoje”, diz o jovem, cujo sonho é ser o
primeiro bailarino do Municipal. Ele pensa também em cursos no exterior. “Quero
estudar na Alvin Ailey [escola de dança de Nova York, nos Estados Unidos]. Eu
tenho grandes aspirações e isso me motiva.”
Para chegar a um destaque maior neste universo não
adianta ter apenas a técnica da dança. É preciso ter uma formação completa e
expandir a cultura. Paulo Melgaço, que há 23 anos é professor de história da
dança na escola, informa que, além de cursarem outras disciplinas, até um
jornal é produzido pelos alunos. “Produzem as matérias e fazem as entrevistas.
Tentamos formar sujeitos, seres humanos para a vida."
Vida difícil
Apesar de
a imagem dos bailarinos ser lúdica e fazer parte do imaginário de muita gente,
a vida deles é difícil. São muitos estudos e ensaios para aprimorar a técnica,
contusões, dores e tratamentos contra lesões. Existe, porém, compensação.
“Não tem explicação. O bailarino está com dor, toma um remédio e dança. Eu já
dancei sem unha. Enquanto a gente 'está bailarina', a gente quer dançar. É o
que alimenta a gente. [Sem a dança] é como se tirassem o nosso feijão com arroz
e a nossa água”, disse a primeira bailarina do Municipal, Claudia Mota, que
começou a estudar balé aos 4 anos e se formou na Escola Maria Olenewa.
Segundo Claudia, a satisfação aumenta se a próxima
apresentação for com o balé favorito. “Giselle. Dizem que quando a
bailarina chega a fazer Giselle, ela se torna uma grande bailarina,
porque é uma carga emocional muito grande, aliada a um esforço físico muito
grande. É um balé muito respeitado e antigo. É muito difícil interpretar e viver
Giselle. É uma história muito linda e um desafio para a bailarina”, diz
Claudia. Giselle foi um balé que marcou sua carreira: "Já dancei
aqui no Municipal, já dancei fora, já fiz tournées [viagem com
itinerários determinados com finalidade artística]. É um balé de que eu gosto,
porque sou dramática.”
Para Maria Luisa Noronha, que tem uma vida dedicada
à dança e, além de ser bailarina, pôde passar para o outro lado do balcão ao
assumir a direção da escola, o fato de ser pública e a qualidade do
ensino explicam a grande procura pela Olenewa. “Mas a qualidade do ensino
é o lance da excelência. Tem aula todo dia. A dança dá disciplina e uma formação
muito boa.”
Cecilia Kerche
e Ana Botafogo, de primeiras bailarinas a
diretoras do corpo de baile do Theatro Municipal Cristina Indio do
Brasil/Agência Brasil
Duas das primeiras bailarinas do Theatro Municipal
do Rio também estão passando por uma experiência nova. Há dois meses, Ana
Botafogo e Cecilia Kerche dividem a direção do corpo de baile e a tarefa não
tem sido fácil. “É a maior companhia de dança clássica no Brasil, a mais
importante, com mais tradição. Vamos fazer 80 anos de vida no ano que vem.
Então, é um privilégio, mas uma grande responsabilidade e uma grande missão”,
afirma Ana Botafogo.
De acordo com Ana, a renovação do corpo de baile é
feita, em parte, com alunos que se formam na escola Maria Olenewa. “Mas não
passam automaticamente. Podem se formar, mas nem todos acabam virando
bailarinos." Alguns se tornam professores e outros, coreógrafos.
Se depender da menina Anoushka Durão, de 8 anos, o
futuro já está traçado. Desde o início do ano, ela frequenta as aulas – todos
os dias vai para lá com um sorriso no rosto e com os olhos brilhando. “É muito
legal porque é a minha chance de ser uma bailarina profissional. Preciso
praticar muito”, afirma Anoushka, ao lado da mãe, a fotógrafa canadense Chantal
James, que mora no Brasil há dez anos e já foi bailarina.
Cecilia Kerche diz que se vê nas crianças que
chegam à escola e pretendem seguir a carreira. Ela conta que seu primeiro
contato com a dança foi quando assistiu a uma aula e ficou fascinada com o giro
das bailarinas na ponta dos pés. “Me encantou e vejo esse encantamento também
nas crianças que encontro. Aqui a criança já fica vendo o futuro dela [no
contato com os bailarinos do corpo de dança] e sabendo que, com o árduo
trabalho na escola, será possível fazer o seguimento artístico da carreira.”
Inscrições abertas
Neste mês, a escola recebe inscrições de novos
alunos. Arlene Ramos, conhece bem essa rotina: mãe de uma ex-aluna, depois de
acompanhar a filha, que entrou para a escola em 1989, acabou como funcionária.
Todos os anos, Arlene vê a ansiedade de quem se inscreve e pretende seguir no
balé. “Todo mundo chega aqui e diz que a filha é uma Ana Botafogo e que vai
passar. Sempre tem. Ela [Ana Botafogo] é uma referência.”
Sabrina Cunha, que mora no centro do Rio, foi logo
ao teatro no primeiro dia de inscrição por insistência da filha, que há três
meses dizia que queria tentar fazer a seleção. “Quero que minha filha dance
aqui, até pelo fato de ser bailarina do Theatro Municipal, que tem bastante
nome lá fora”, confessa Sabrina, referindo-se à qualidade do ensino. “Tenho
certeza de que ela vai passar na seleção. Vai ser a única bailarina da
família."
A enfermeira Maria Efigênia de Oliveira, moradora
de Botafogo, tenta explicar o papel dos pais no incentivo aos filhos que querem
entrar no mundo da dança. A filha de Maria Efigênia faz balé desde os 5 anos e
agora, aos 9 anos, quer passar pela seleção na Maria Olenewa. A mãe diz que
está preparada para ficar sentada em um banco, do lado de fora das salas de
aula, esperando a filha terminar o teste. “Pelos filhos, a gente faz qualquer
coisa, porque vale a pena. Vale muito a pena”, afirma.
A funcionária Arlene destaca que, no início, o
movimento das inscrições é mais fraco, mas, no meio do mês, começa a aumentar
e, perto do encerramento, a corrida é grande. “Tem até que distribuir senha.”
Arlene diz que já acompanhou o desenvolvimento da carreira de muitos alunos e,
com felicidade, cita o sucesso alcançado por Sinthia Liz. “A gente fica muito
contente e emocionada, a Sinthia está indo para Munique. A gente a viu começar
no preliminar. É muita emoção.”
Edição: Nádia
Franco